A “teologia” do conflito
- Victor Hugo Ramallo
- 18 de set. de 2020
- 4 min de leitura

Antes, santificai ao Senhor Deus em vossos corações; e estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós, (I Pedro 3.15)
Qual o motivo do uso das aspas?
Na verdade, o que vou tratar aqui não se trata tanto de uma perspectiva teológica, mas muito mais de um comportamento que tem permeado diversas pessoas de diferentes linhas teológicas e distintas denominações.
Então por que uso tal termo no título deste texto? Pelo fato de que alguns dos que se enquadram nesse comportamento usam alguns textos bíblicos para tentar dar um suposto embasamento teológico a tal forma de ser.
Mas do que estamos conversando?
Nos anos 90, no meio gerencial brasileiro, foi usado com grande frequência uma metodologia de gestão que era conhecida como Gestão (ou Gerenciamento) por Conflito. Em que consistia isso?
Podemos dizer que era a aplicação do conceito que uma forma de achar uma solução para algumas (e em alguns locais isso era para todas) questões no gerenciamento da empresa colocando os departamentos para entrarem em um tipo de conflito e assim levar ambos a quererem “vencer” e renderem o melhor para a empresa.
É lógico que estou explicando de modo muito superficial essa metodologia, vi isso sendo aplicado em algumas empresas e não pude perceber resultados realmente positivos no processo.
Na minha compreensão tal metodologia era apenas uma excessiva valorização do ego e da agressividade, que todos temos, mas que alguns aprenderam que o correto é manter sob controle. Era comum que em tais reuniões os ânimos ficassem exaltados e até ocorressem agressões verbais. Tudo em nome de que a “solução fosse encontrada”. Com o tempo tal metodologia caiu em desuso e deixou de ser usada nas empresas.
Bom, passados cerca de 30 anos vejo que boa parte dos princípios desta forma de gestão foram “adaptados” para seu uso na vida ministerial e eclesial.
Como assim?
Alguns pregadores evangélicos[1] tem argumentado que a verdade deve ser expressa de modo contundente e declaram que optam por fazer isso de modo “direto”. Bom o tal “modo direto” muitas vezes é agressivo, ofensivo e gera uma série de problemas.
A verdade deve ser ensinada sempre, mas isso não significa que a mesma deve ser gritada ou imposta pela força. Aquele que é guiado pela sabedoria do SENHOR sabe que a Verdade não deve ser apresentada por meio de gritos, imposição, exigência ou agressão. Não usemos umpseudo-ensino da Verdade para dar vazão ao nosso temperamento que age fora do controle do Espírito Santo (numa direta citação a um livro muito popular no meio evangélico nos anos 80 e 90).
Entendam que não estou defendendo um comportamento pusilânime ou timorato. Sim, devemos ter uma forte convicção na Verdade e estar cientes que ela está expressa na Palavra de DEUS. Vamos tornar seu conhecimento acessível a todos quantos nos for possível e em todo tempo que pudermos. Isso significa realmente acatar a orientação paulina:
Que pregues a palavra, instes a tempo e fora de tempo, redarguas, repreendas, exortes, com toda a longanimidade e doutrina. (II Tim 4.2)
Mas por favor leiam todo o versículo, o apóstolo diz para ensinar a Palavra manifestando a longanimidade. O que é isso?
Qualidade de longânime, de quem é altruísta, bondoso, generoso; generosidade, bondade. Qualidade da pessoa que aceita de modo firme e corajoso as adversidades a favor de outrem. [Por Extensão] Paciência para suportar as ofensas dos outros ou os próprios sofrimentos; generosidade, magnanimidade. (fonte: https://www.dicio.com.br/longanimidade/)
O que o apóstolo ensina é exatamente o contrário do que muitos tem feito! Tenho visto frequentemente nas redes sociais (seja em textos ou vídeos) e também na vida fora de tais redes um comportamento de muitos evangélicos que não é nada longânime. Querem impor sua forma de pensar sobre os demais e argumentam que o que ensinam é a verdade. Bom, pode até parecer a verdade, mas defendo e entendo que a verdade não é apenas o conteúdo, mas também seu processo de comunicação e ensino.
Parece até que alguns acreditam que é correto esmurrar uma pessoa e gritar para ela que “Só Cristo salva! ”
Tal comportamento não pode ser aceito como uma forma de a Verdade. Agir desse modo é mascarar precariamente uma natureza doentia e criminosa sob uma suposta religiosidade. Se alguém tenta impor uma verdade ou forçar que alguém aceite essa verdade apenas irá levar a outra pessoa a rejeitar esse ensinamento qualquer outro conceito relacionado a ele. É totalmente contraproducente.
Ser firme no ensino da Verdade é muito diferente de ser agressivo ou ditatorial. Não devemos ceder um milímetro no que se refere ao ensino da Verdade, mas isso se refere também e especialmente ao modo como manifestamos a Verdade em nossas vidas, em especial no ensino da mesma. A exortação do apóstolo Padro, citada o início deste texto, é clara. A disposição para ensinar o que é certo (expor a razão da esperança que há em nos) deve ser constante, mas ela deve ser temperada com mansidão e temor.
Devemos dizer à humanidade o que é pecado e qual a nossa base bíblica para tal afirmação, mas isso deve ser feito sem permitir que essa humanidade possa, com evidências que nós tenhamos fornecido, nos acusar de faltos de amor, agressivos ou preconceituosos (no sentido de ter uma posição pré-estabelecida e sem qualquer fundamento). Não podemos e não devemos nos silenciar ante o pecado, mas ao mesmo tempo não devemos deixar de ensinar sobre o Amor que procede de DEUS e mostrar esse amor a essas pessoas.
O perdão para o pecado é recebido quando ocorre nossa submissão ao Senhor JESUS e isso deve derivar do reconhecimento da própria condição de pecador e de que estamos irremediavelmente condenados se seguimos vivendo sem a Graça do Senhor JESUS. Quando nascemos de novo somos feitos pelo SENHOR novas criaturas e, somente então, somos feitos filhos de DEUS. Tudo isso é um ato de Amor, Santidade, Justiça e Verdade.
Podemos e devemos ensinar tudo isso sem impor, gritar, ofender, acusar e agredir.
Que sempre busquemos a sábia orientação do SENHOR para nossas vidas.
Victor Hugo Ramallo
(IB Missão Vida, pastor)
Taboão da Serra – SP – Brasil
[1] - Quando uso o termo “evangélico” ele significa tão somente que a pessoa é membro de uma comunidade que se declara evangélica, isso não significa que a pessoa em questão é ou não cristã.
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