O socialismo é autofágico
- Victor Ramallo
- 22 de fev. de 2021
- 6 min de leitura
Atualizado: 23 de fev. de 2021

Esta é uma análise básica do livro de Marx & Engels. Nele apresento pontos extraídos de suas páginas e considerações lógicas e históricas sobre as proposições comunistas. Este material é de autoria de Victor Hugo Ramallo
Pág. 8 – Eles reconhecem que a “classe trabalhadora” não tem condições de gerir o Estado em seu favor, assim sendo fica a pergunta: Porque então eles querem convencer o mundo que é essa mesma classe que deve ter o poder do Estado em suas mãos?
Pág. 9 – Apesar do que eles afirmam, a imigração europeia para os EUA não possibilitou sozinha o desenvolvimento agrário como argumentado, mas fez parte do pacote de fatores que levou a isso. Fica evidente a tendência de Marx querer atribuir todo desenvolvimento sócio econômico aos trabalhadores e não avaliar o conjunto de fatores como o investimento de dinheiro a montagem de infraestrutura (isso é feito pelos que podem investir dinheiro/capital nisso) e o papel do Estado.
O prefacio da edição russa é algo interessante, num sentido cômico. Naquele momento Marx mostra acreditar que os USA serão uma força que ajudará em sua causa (implantação do socialismo/comunismo no mundo). Essa perspectiva mostra que havia uma birra (má vontade) para com a Inglaterra. Oras, quando Marx escreve suas obras a Inglaterra era a maior potência militar e econômica do mundo, depois de algumas décadas os EUA assumem esse posto e se torna a nêmesis do comunismo.
Engels no prefácio alemão de 1883 enfatiza a importância e necessidade luta de classes e esse vem sendo o mote deles até hoje. Ele está errado. Não é o explorado versus o explorador, mas pessoas lutando para ocupar o posto de explorador. O objetivo real das disputas sociais e econômicas através da história não são para acabar com a exploração, mas para poder ocupar a função de explorador. Uma simples olhada na história e veremos isso.
No prefacio inglês de 1888 Engels vê, mas não entende que as diferenças entre os grupos proto-socialistas tendem a não encontrar conciliação e tampouco mostram (até os dias atuais) desejarem uma união de seus diferentes segmentos. O comunismo é autofágico desde seu surgimento. Até hoje os socialistas/comunistas se dividem em grupos e se atacam mutuamente. Engels dá a entender que Marx esperava que os trabalhadores aceitassem de modo pleno o seu pensamento (e isso mostra a enorme soberba desse homem!). Engels percebe que via “conscientização” o comunismo ia morrer. Que outras vias restam? Eles deixaram isso claro através da história, impuseram seu modo de pensar na ponta de baionetas e condenando aos gulags quem pensava diferente. Stalin tentou apagar da História todos que eram contra ele, Mao Tsé Tung e Pol Pot induziram crianças a condenarem seus pais e professores aos campos de concentração (chamados eufemisticamente de “reeducação” e à morte).
Na pág. 16 ele diz que a reforma deve ser completa e em toda a sociedade. Isso mostra o viés ditatorial, pois não aceitam trabalhar com ideias ou ideais divergentes.
Eles definem assim os dois grupos:
Socialismo – classe media
Comunismo – classe trabalhadora
Engels no Manifesto (p16) deixa claro que por ser, na concepção dele, um movimento de trabalhadores não pode ser chamado de socialista (que ele vincula a charlatães e a classe culta). O movimento que eles querem organizar e estruturar deve ser conhecido como sendo comunista. Essa declaração tem mais uma curiosidade, deixa evidente que o segmento social com ferramentas de análise (cultura) não aceitava as teses dele e de Marx. Nessa classe culta estariam incluídos os professores e isso fica claro décadas depois quando no processo de implantação do comunismo em países como Rússia, China e Camboja os professores e os intelectuais foram presos, torturados, expulsos e muitos assassinados pois, por serem treinados a pensar, iriam refutar o comunismo. Como ensino a meus alunos: toda a ditadura teme mais a um homem inteligente que um portando uma granada.
Engels equipara esta obra ao trabalho de Darwin, o que mostra uma suposição que o socialismo/comunismo seria um estágio evolutivo da sociedade, mas a história se incumbiu de mostras que não é. Na verdade nos países onde o comunismo conseguiu ser implantado o que tivemos foi um retrocesso social e moral, o que mostra que, ainda que possamos considerar válida a tese darwiniana, o comunismo significou uma involução e não uma evolução nos campos sociais, morais, econômicos e éticos.
No prefacio da edição italiana Engels mais uma vez insiste na tese que a classe burguesa (na qual ele enquadra todos que não são trabalhadores braçais, isto é professores, intelectuais, artistas, músicos e etc.) é inimiga dos trabalhadores. O patético é ver que muitas pessoas dessas classes profissionais e que hoje se declaram comunistas pertencem a um grupo socio econômico desprezado por Marx e Engels
P31 – Segundo seus autores o “Manifesto” foi escrito para ser o texto que apresente abertamente as opiniões, objetivos e tendências do comunismo, assim sendo as análises deste material são uma análise do que é de fato o comunismo e não o que tentam ensinar os neocomunistas que fazem palestras e escrevem textos disfarçando e até negando o que de fato é o comunismo.
Pag 33 – A 1ª declaração do texto (“A história de todas as sociedades existentes até hoje é a história das lutas de classe”) é algo que eventualmente ouvimos na boca dos proponentes do socialismo e do comunismo (devemos lembrar que nos prefácios os autores deixam claro que diferenciam os dois grupos e consideram os socialistas como membros de um tipo de elite e portanto fariam parte do “inimigo”) insistem na tese que a história da evolução sócio econômica tem por base o que eles denominam de “luta de classes”, que na opinião deles é a luta dos explorados contra os exploradores. Mas quem comporia tais grupos? No desenvolver de sua tese (vemos isso de modo mais claro no seu livro O Capital) Marx define como sendo de um lado os que trabalham de modo braçal e no outro lado os detentores do capital para controlar os meios de produção (na visão dele teríamos aí o conceito de “explorados versus exploradores”). Essa é uma forma canhestra de enxergar a realidade. Na verdade, a luta não é para que não exista mais exploração, mas para que o grupo que se considera explorado possa ocupar o lugar de explorador e levar aqueles que eles julgavam seus algozes a uma posição de submissão. É simplesmente uma disputa de posição de poder e não de busca de igualdade e fraternidade.
Analisar a evolução social de uma forma tão simplista pode ser aceito em um momento que a “inteligência” europeia acreditava na pureza inata do aborígene (e escrevo isso sendo um descendente dos povos nativo-americanos) e que a evolução da espécie humana nos quesitos intelectual e moral dar-se-ia pelo crescimento e desenvolvimento do conhecimento científico. Bom esses conceitos já foram provados como falhos, sabemos que o ser humano, independente de seu contexto social ou cultural, possui basicamente as mesmas qualidades e defeitos. Voltaire e outros eruditos contemporâneos do Iluminismo desenvolveram a tese, ou a apoiaram de algum modo, de que “o nativo seria bom e puro” e que a sociedade moderna com seu pendor para o consumo e acúmulo de riquezas o corrompia. Tais teses foram desenvolvidas por pensadores que nunca foram a campo para comprovar suas teses eles apenas se baseavam nos relatos de terceiros, que foram provados como equivocados, tendenciosos e até mesmo mentirosos. No século XIX os pensadores ainda se viam influenciados por tais teses, mas aceitar que pensadores do século XXI ainda pensem assim é um absurdo. A luta social mais intensa e presente não foi a de classes ou por desejar uma sociedade justa, ela tem sido por usufruir de benefícios e explorar os outros. Já escreveu Millor Fernandes: “Ditadura é você mandando em mim. Democracia é quando eu mando em você!”
Em sequência a exposição do mote central do comunismo os autores, ainda na mesma página 33, se dedicam a explicitar supostos confrontos de classe através do século e escrevem “a moderna sociedade burguesa, que surgiu das ruínas da sociedade feudal, não eliminou os antagonismos de classe”. Ai vemos o clássico exemplo de “ver mas não enxergar”, ou seja, apesar de Marx perceber que houve uma mudança na estrutura sócio econômica após o fim do feudalismo não vê que o grupo que ascendeu a uma posição de mais influencia foram os burgueses (pequenos comerciantes que por terem acesso ao dinheiro e não as terras) e passam a exercer mais poder junto ao Estado que os nobres que tinham terras mas não tinham dinheiro. Se você deseja entender melhor essa transição recomendo a leitura do ótimo “História da riqueza do homem” de Léo Huberman. Os oprimidos no feudalismo eram os camponeses e os pequenos comerciantes que viviam nos burgos (os burgueses), este grupo conseguiu ter controle econômico da sociedade e com o passar do tempo assumiu uma posição mais privilegiada, os camponeses não conseguiram pois era necessário ter dinheiro para investir mais em suas plantações e a imensa maioria deles não era dona da terra em que trabalhava. Tudo isso foi derivado do fim do período do escambo (troca de bens por outros bens e as transações eram agora com base no dinheiro. Assim sendo o que a dupla Marx & Engels define como sendo burguesia é na verdade uma classe que, na perspectiva comunista, foi explorada e conseguiu ascender sem derramamento de sangue, eles alcançaram um patamar mais alto colapso do modelo econômico predominante no feudalismo (o escambo).
Um fraterno amplexo
Victor Hugo Ramallo
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